Senhorio d´Alte, sua formação



Alte - Séculos XIII e XIV, a Formação do Senhorio d´Alte
Extraído do livro - Na Roda do Tempo, de Isabel Raposo

Com a “Reconquista “ do Algarve muçulmano pelos guerreiros cristãos do Norte, quebra-se a unidade politica com o Norte de África e a Andaluzia, as ligações económicas perduram mas interrompendo-se por largas décadas, a relação milenar privilegiada da região com o Mediterrâneo. Com a incorporação oficial do Algarve no reino de Portugal e no eixo do Atlântico, mas sem integração efectiva e afastada do novo centro do poder em Lisboa, a economia urbana algarvia definha e as suas cidades, outrora centros da hegemonia islâmica, passam a alvo preferido dos assaltos dos piratas mouros.
Alguns muçulmanos agricultores recebem regalias dos monarcas portugueses para assegurar a ocupação das terras, mas para garantir o povoamento do reino do Algarve pelos cristãos, os reis distribuem terras aos conquistadores que os apoiaram na luta contra o mundo dos “infiéis”. Em todo o Sul do País multiplicam-se os grandes domínios senhoriais. Surge assim o senhorio de d´Alte, atribuído a João Gomes de Ribadeneyra, quarto filho do capitão Ribadeneyra que se distinguira na luta contra os mouros, na Batalha de Navas de Tolosa, em 1212.
Segundo consta no Arquivo da Casa d´Alte, João Gomes encontrava-se ao serviço de Payo Peres Corrêa, Mestre da Cavalaria de Santiago, na conquista dos Algarves, tendo depois entrado ao serviço de D. Afonso III, rei de Portugal.
“Estando El-Rei ocupado em correrias(…) no cerco do Castelo d Álte, houve uma grande batalha nas fraldas da serra, pelos mouros de 1249, em que D. Afonso derrubado do seu cavalo pelo poder dos mouros e estava em risco de perder a vida. João Gomes que o seguia (…) empenhando na sua defesa, teve a ventura de ferir de morte o Miramolim dos mouros e de livrar El-Rei.
À noite na sua tenda. D. Afonso chamou aqueles que haviam sido bons nesse dia e a João Gomes perguntou como lhe poderia mostrar a sua mercê (…) e então João Gomes lhe pediu que lhe desse a Dona Mór Mendes, filha menor do Rico homem D. Mem Farcia (…). Era D. Mem Garcia filho de outro Rico Homem. D. Garcia Mendes de Sousa que o era do Conde D. Mendo, o Souzão, e portanto da mais principal nobreza das Espanhas. Ao que D. Afonso respondeu:
-Alto miras, mas mais alto que um Rei te vi hoje na batalha!
(…) Donde alguns querem que tenha saído o nome do sítio, que se chama Alte (…). Mas tão nobre Rico Homem não queria dar a sua filha a filho d´algo que era escudeiro sem solar e sem riqueza, e lha negou, o que não demoveu D. Afonso do seu intento, e contestou a D. Mem Garcia, que faria de João Gomes um cavaleiro de maior estado do que tinha ele (…), pois que de direito lhe pertencia o castelo de Miramolim que na batalha matara e que era no mesmo sítio. A esse castelo juntaria por senhorio todas as terras que João Gomes montando o seu melhor cavalo pudesse de sol a sol fechar na sua carreira, com lugares e povos que nelas houvesse e assim seria o marido de Dona Mór cavaleiro de solar e senhorio.
E feito, antes da manhã, se partiu João Gomes no seu melhor cavalo d´El Rei e da torre do Castelo Dona Mór lhe vigiou a carreira e lhe ouviu a trompa quando pelos vales se furtava à sua vista (…) D. Mem Garcia se propusera matar João Gomes e lhe pusera uma cilada de muita gente armada, no serro que chamam hoje do Espargal (…) Do tal intento teve notícia Dona Mór e de tudo dera aviso a João Gomes.
Numa rocha se gravou uma cruz no sítio a João Gomes saiu o sol, que ainda é chamada a Cruz do Morgado, dali se foi pela fralda da Rocha Branca que cortou na sua quebrada e se foi pelo pé do serro que dizem do Espargal, onde estava a gente de Mem Garcia que assim o não sentiram, e ficou o Espargal fora do senhorio, e de aí em derredor tomou Penafina, tomou no seu vale, tomou a Rocha do Mar que é hoje dos Soídos, tomou as Naves, tomou as Alcarias, tomou a Vila Verde e ao sair do seu vale lhe fraqueja o cavalo e vai-se a terra e logo ali brotou uma fonte de boas águas que o povo diz Santa com que repôs o cavalo, e porque ia caindo o sol e lhe cumpria fechar o senhorio na carreira, se acolheu a Nossa Senhora de Assunção, de que era mui devoto, e, com a sua ajuda apertou o cavalo, que de um monte ao outro se foi de um salto, ganhando logo a rocha de onde havia partido e ali lhe caiu morto o cavalo. Foi um salto num sítio onde a serra parece ter-se aberto numa grande quebrada e só por maravilha um animal ir-se de um cabeço ao outro e chama-se o “Salto do cavaleiro”.
E ganhou João Gomes um formoso senhorio com boas águas correntes, vales muito férteis e serras de muito arvoredo, e uma famosa noiva com quem casou já feito cavaleiro por El-Rei”.
Os senhores feudais possuem, além dos melhores terrenos, os principais meios de produção, como moinhos, azenhas, fornos, lagares. Com o objectivo de diminuir o poder económico e politico dos grandes senhores e de fortalecer o poder real, D. Afonso III concede os forais algarvios reservando para si e seus sucessores, entre outros, esses meios de produção. Com a concessão do foral de Loulé em 1266, terão passado para o domínio real, o pisão e a “azenha” do morgado de Alte.
O poder do senhor d´Alte na freguesia, “ as suas honras e privilégios ” são posteriormente reconhecidos, com a Inquirição de 1337, de D. Afonso IV, onde consta a nota seguinte:
“Em Alte nom entram nem juiz nem porteiro nem mordomo nem tabeliam por razon de Joham Mendes de Ribadeneyra que defende a freguesia por onra e põe em elo a mão” .(Ataíde Oliveira, Província do Algarve, nº 282, 1914)

Anotações :- Cruz do Morgado / Cruz dos Termos
Rocha Branca / Rocha Amarela
Penafina / Benafim
Rocha do Mar / Rocha dos Soídos
Nave / Nave
Alcaria / Alçaria do João
VilaVerde / Santa Margarida
Fonte Santa / Fonte Santa
Salto do Cavaleiro / ?

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